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CURDAS: Confederalismo Democrático de Comunidades Autônomas, alternativa à centralização Estatístika

jeudi, mars 24th, 2016

ZIBECHI: A dominação é macro e micro, simultaneamente de caráter militar e imaterial

lundi, mars 21st, 2016

A opção que não transformou e que perdeu o fôlego. Entrevista especial com Raúl Zibechi

Brasil, Destaque CombateRacismoAmbiental

Hoje, ainda que continuem existindo governos progressistas, o modo de governar é considerado conservador, como fica muito claro no Brasil”, afirma o jornalista uruguaio

IHU On-Line

Não há como fazer uma omelete sem quebrar os ovos. É mais ou menos na lógica desse ditado que Raúl Zibechi reflete sobre o que acontece com o governo — dito — progressista e de esquerda no Brasil. “Minha impressão é que se optou por uma forma de governo sem conflitos, nem com a direita, nem com os setores populares”, diz. Para ele, não é uma exclusividade brasileira, mas algo recorrente na América Latina que não levou a profundas transformações sociais. “Ante os ricos, apresenta-se como aquele que pode apaziguar os de baixo. E ante os de baixo, apresenta-se como o grande beneficiário com diversas políticas sociais. Quando esse cenário é dissolvido, os governantes não sabem como se manter”, analisa, ao destacar o que ocorre quando o modelo chega a um limite.

Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Zibechi olha desde a realidade do Brasil que transborda para a América do Sul. Nessa lógica conciliadora, o que há é uma inclusão pelo consumo que, ao invés de romper com o capital, alimenta-se dele. De acordo com o entrevistado, é importante perceber isso para entender por que este é um ciclo que chega ao fim. Uma das causas que levam ao esgotamento, segundo ele, “é que os preços das commodities caíram. Isto é importante, pois a chave para o ‘milagre’ do modelo político-econômico progressista foi que os altos preços de exportação permitiram um grande excedente que tornou possível a melhora da situação dos mais pobres, sem tocar nos privilégios dos mais ricos. Isto acabou. Com o agravante de que os grandes beneficiários desse ‘milagre’ foram os bancos, o setor financeiro”.

Raúl Zibechi é escritor, jornalista e pensador-ativista uruguaio, dedicado ao trabalho com movimentos sociais na América Latina. Foi membro da Frente Revolucionária Student – FER, grupo de estudantes ligados ao Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros. Em meados dos anos 1980, começou a publicar artigos em revistas e jornais de esquerda (Página Aberta, Egin, Libertação) e meios de comunicação da América Latina (Pagina/12, Argentina, e Mate Amargo, Uruguai). Foi editor do semanário Brecha e ganhou o Prêmio de Jornalismo José Martí por sua análise do movimento social argentino que levou à insurreição de dezembro de 2001. Entre suas publicações mais recentes, estão Latiendo Resistencia. Mundos Nuevos y Guerras de Despojo (Oaxaca: El Rebozo, 2015), Descolonizar el pensamiento crítico y las prácticas emancipatorias (Quimantú, 2014 y Desdeabajo, 2015) e Preservar y compartir. Bienes comunes y movimientos sociales (Buenos Aires: Mardulce, 2013).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que leitura é possível fazer da situação atual dos governos progressistas na América Latina de hoje? O que aconteceu em 2016 para estarem tão diferentes, se são os mesmos governos de 2014?

Raúl Zibechi – É evidente que algo está chegando ao seu fim. Podemos discutir as causas, seja a ofensiva de direita e dos meios de comunicação, como dizem os governos, ou seja a possibilidade de ter terminado um ciclo político e econômico, como dizemos aqueles que têm um posicionamento crítico. Mas o que está claro é que um período está se concluindo. Hoje, ainda que continuem existindo governos progressistas, o modo de governar é considerado conservador, como fica muito claro no Brasil.

Existem três principais diferenças em comparação a 2014 ou 2013. Uma delas é que os preços das commodities caíram. Isto é importante, pois a chave para o “milagre” do modelo político-econômico progressista foi que os altos preços de exportação permitiram um grande excedente que tornou possível a melhora da situação dos mais pobres, sem tocar nos privilégios dos mais ricos. Isto acabou. Com o agravante de que os grandes beneficiários desse “milagre” foram os bancos, o setor financeiro.

A situação dos pobres melhorou, não por mudanças estruturais, mas através do consumo, ou seja, continuam pobres, mas capazes de consumir, não integrados como cidadãos com direitos, mas como consumidores. Mas agora eles estão em dívida com os bancos, que é o setor que recebe o maior benefício nesta crise.

A segunda diferença é que as direitas estão em uma ofensiva muito potente. Os neoconservadores apostam na guerra, e nesse sentido, os eventos na Ucrânia (Euromaidan e a queda do presidente Yanukovych [1]) demonstram a decisão de ir à guerra: contra a Rússia para derrubar Putin [2], contra a China para conter sua ascensão, contra todos os governos que não se adequarem a seus interesses, ou seja, ao capital financeiro que está devastando a vida no planeta.

A terceira mudança é a reativação dos movimentos populares e o nascimento de novos movimentos. Junho de 2013 é um divisor de águas no Brasil, uma grande mudança que deve ser interpretada como um grito contra a desigualdade que, como sabemos agora, não se moveu, mas continuou a se aprofundar. O “consenso lulista” [3], como diz André Singer [4], só poderia ser mantido diante da passividade dos setores populares. É por isso que os eventos de junho deixaram o Partido dos Trabalhadores – PT e a Central Única dos Trabalhadores – CUT paralisados. Eles não souberam como reagir, permitindo que a direita se aproveitasse daquela paralisia.

IHU On-Line – Como entender a opção de governos progressistas pelo modelo econômico com base nas regras do sistema financeiro global? Quais são os limites desse modelo e como esse modelo pôs em xeque princípios ontológicos da esquerda?

Raúl Zibechi – Minha impressão é que se optou por uma forma de governo sem conflitos, nem com a direita nem com os setores populares. Esse progressismo, considerando o Brasil, o Uruguai e a Argentina, evita conflitos porque precisa posicionar-se acima das classes, como árbitro dos interesses das mesmas. Ante os ricos, apresenta-se como aquele que pode apaziguar os de baixo. E ante os de baixo, apresenta- se como o grande beneficiário com diversas políticas sociais. Quando esse cenário é dissolvido, os governantes não sabem como se manter, reagindo defensivamente.

O PT e a CUT poderiam ter ido às ruas protestar junto com o Movimento Passe Livre – MPL [5] e se colocar à frente das mobilizações. Afinal, foram milhões de pessoas que saíram para protestar por coisas legítimas. Quando CUT e PT saíram, já era tarde demais para defender o governo. Perdeu-se a maior energia de massas desde o fim da ditadura. Naquele momento perdeu-se a possibilidade de se conectar com a força social capaz de enfrentar os conflitos que inevitavelmente surgiriam, contra aquele 1% dos mais ricos.

Compreender uma nova realidade

Há de se entender que os desafios impostos pelas classes dominantes à população dominada, neste período, possuem características diferentes das tradicionais. Eles querem a eliminação dos que vêm de baixo, o que os zapatistas chamam de Quarta Guerra Mundial, uma guerra contra o povo para apropriação dos bens comuns.

Para enfrentar esta nova realidade, as velhas organizações e a velha maneira de se fazer política não se aplicam mais. Como enfrentar o juiz Moro [6] e os meios de comunicação? Para que isso aconteça, está faltando uma enorme energia social coletiva, capaz de fazer rachar este “domínio de espectro completo”, como chamou Ana Ester Ceceña [7]. A dominação capitalista não se reduz mais às oito horas em que o trabalhador produzia valores excedentes na fábrica, agora o domínio é macro e micro, simultaneamente de caráter militar e imaterial. Mas o aspecto militar segue sendo decisivo e cada vez maior.

IHU On-Line – Por que, no auge da crise de 2000, os governos progressistas latinos foram capazes de diminuir a fome, mas não conseguiram diminuir — e no caso do Brasil até aumentou — a desigualdade social?

Raúl Zibechi – Não se pode combater a desigualdade sem lutar contra os ricos. Se observarmos a forma como a pobreza foi combatida, na mesma lógica do Banco Mundial, veremos que foi com medidas técnicas. A pobreza foi despolitizada e considerada como um assunto de gestão, puramente administrativo. E isto funcionou por alguns anos. Mas não é possível lutar contra a riqueza com a mesma lógica. Existe uma coisa chamada luta de classes, que o PT esqueceu ou nunca levou em consideração. Sem lutar, sem recuperar os meios de produção e de câmbio apropriados pela burguesia (a terra, em primeiro lugar) não há diminuição na desigualdade, nas atuais condições do Brasil e dos países da América Latina.

Progressistas no poder?

Entretanto, os progressistas chegam ao governo e se acomodam com os privilégios, fazem alianças com aquele 1% dos mais ricos e desistem da luta. As empresas de construção são um bom exemplo. O caso de Kátia Abreu [8], entre muitos outros, demonstram essas alianças. E não somente no Brasil. É o caso da Venezuela, onde surgiu uma burguesia bolivariana (boliburguesia) que controla as alavancas do poder e que enriqueceu graças às receitas do petróleo.

Frente a isto, devemos perguntar: não aconteceu algo semelhante com as grandes revoluções russa e chinesa? Como podemos definir esse grupo que controla o partido, o Estado e as grandes empresas estatais e privadas? É uma burocracia ou uma nova classe? Estes deveriam ser os debates centrais neste período.

IHU On-Line – Como compreender a “nova direita” da América Latina? Quais são suas bases sociais?

Raúl Zibechi – Há uma nova direita mundial, inspirada nos neoconservadores estadunidenses que apostam na guerra para evitar a perda de poder. É uma direita que vem justamente no momento em que ocorre o declínio da superpotência, procurando reverter isso. Uma direita classista e militarista que aposta na resolução de conflitos sem nenhum tipo de mediação, através da violência de classe.

Para explicar por que os governos progressistas têm o apoio das massas, há de se entender as mudanças produzidas pelo neoliberalismo, por um lado, e pelo consumismo, do outro. O neoliberalismo liquidou as antigas classes médias, gerando uma camada de novos ricos ou aspirantes a ricos; mas um setor majoritário daquela classe média, que já não consegue mais se sustentar, entra em decadência. Isso está ligado à crise do socialismo, ao triunfo cultural do capital financeiro que faz todo mundo querer ser rico, quando apenas uma minoria consegue. Agora os da camada de cima não são 10%, como Marx [9] disse há mais de um século. Mais ou menos 30% da população têm interesses políticos e culturais em sustentar o sistema, e esta é a base social mínima das direitas.

Por outro lado, o consumismo despolitiza, anula as heterogeneidades e diferenças de classe, fazendo com que todos queiram parecer-se com os ricos. Isso contribui para uma derrota cultural e é parte da mesma, como diz Pasolini [10]. Sem cultura diferenciada, não podemos nem sonhar em construir uma sociedade diferente. O progressismo tem promovido ativamente o consumismo. Um desastre estratégico, pois anula a capacidade das camadas mais pobres de se tornarem classe.

IHU On-Line – Qual a alternativa para a esquerda latino-americana antes de sucumbir à volta da direita ao poder? Como compreender que, insistindo nesse mesmo modelo progressista, nem direita e nem esquerda darão conta das necessidades atuais?

Raúl Zibechi – Creio que devemos analisar a partir de uma perspectiva histórica, de longo prazo. O que falhou no socialismo verdadeiro foi a pretensão de governar milhões, de governar os outros e levá-los — por convicção ou à força — para uma sociedade socialista. É o fracasso do Iluminismo, das luzes. Desta forma, para um terço da humanidade é imposto um sério e profundo equilíbrio dessas experiências em que eles se envolveram. Isso não é pouca coisa.

Mas a esquerda quer encontrar atalhos para continuar no mesmo caminho. O socialismo do século XXI não muda essa realidade, pois segue ainda com a ideia de uma sociedade centrada no Estado, em governar os outros, o que pressuporia “saber” o que as pessoas querem. Temos de nos perguntar quais são as alternativas, mas não apenas as alternativas econômicas, como geralmente acontece.

O que podemos ver, através do zapatismo [11], de alguns movimentos indígenas, como os Mapuche [12], e de outros movimentos pequenos, é que devemos renunciar a governar outros e motivar as pessoas para que se autogovernem. Esta é a utopia que necessitamos, que está relacionada à teologia da libertação, do jovem Marx e de Lenin [13], em 1917. Nossa militância é para que os povos, as pessoas comuns, se autogovernem. Precisamos mostrar que é possível, por meio de práticas na saúde, na educação, nas fábricas autogeridas… Contra isso, a esquerda se propõe apenas a mudar de governos. Mas todo o resto permanece o mesmo. Obviamente que para autogovernar-se é necessário que uma outra cultura política seja criada, ancorada na autonomia. Aí está uma diferença fenomenal: sem alterar a cultura política, só poderemos esperar encontrar bons governantes que, em poucos anos, se desviam.

IHU On-Line – Quais os limites da inclusão social via consumo? Como encarar de fato as reformas estruturais?

Raúl Zibechi – A inclusão por meio do consumo favorece e fortalece o capital financeiro, que é o que tem capacidade de emprestar aos consumidores dinheiro com taxas de juros que superam a inflação. Estamos diante de uma das modalidades de acumulação por espoliação, mencionando David Harvey [14]. Este seria um olhar geral, ou se preferir, a partir do topo do modelo.

Entretanto, se analisarmos o modelo de baixo para cima, a partir dos setores populares que são “incluídos” através do consumo, o panorama é diferente. Eles devem trabalhar para os bancos. Eles têm trabalho precário e mal pago. São cidadãos de segunda classe quando embarcam no ônibus, quando vão ao Sistema Único de Saúde – SUS, para as escolas; mas consomem porque lhes é dito que esta é a maneira de se integrar na sociedade. Por isso eu acho que a integração através do consumo promove ideias e comportamentos conservadores, de pequenos proprietários. Desse modo, eles não podem se converter em sujeitos coletivos, pois somente é possível chegar a este lugar através da luta, enquanto o consumo torna iguais os que são diferentes, mas uma igualdade ilusória, diante das vitrines.

Utopia reacionária que enfraquece o trabalhador

Vou dizer de uma forma brutal: a integração através do consumo é uma utopia reacionária que enfraquece o povo trabalhador. Note que a inclusão financeira é uma das políticas mais importantes do Banco Mundial, que é o verdadeiro think tank [15] das esquerdas que perderam capacidade de pensamento próprio.

Na história das esquerdas, creio que nas revoluções russa, chinesa e cubana, por exemplo, o problema nunca foi a pobreza, mas a riqueza, a concentração de riquezas. Inclusive para a social-democracia nas primeiras décadas do século XX até a década de 60, o problema nunca foi a pobreza, mas a riqueza. Quem colocou a pobreza em primeiro lugar foi o Banco Mundial, após a derrota dos Estados Unidos no Vietnã, pelas mãos de Mc Namara [16], um dos principais expoentes do sistema. E agora repetem como papagaios que o grande mérito do progressismo foi ter reduzido a pobreza. Esta é uma capitulação política frente ao 1%.

IHU On-Line – Em que medida é possível afirmar que o socialismo do século XXI e as velhas lutas sucumbiram a um velho modelo político para se perpetuar no poder?

Raúl Zibechi – Esta é uma questão mais complexa. Como eu disse antes, para mim o eixo do modelo político anterior, já decrépito, consistia em mudar o mundo de cima para baixo, através do Estado. O legado do progressismo é a convicção de que o mundo não pode ser alterado a partir do topo, mas através da luta, o conflito encontra classes, gêneros, etnias, raças, gerações, e assim por diante. Não é concedendo uma percentagem das quotas a estudantes negros que será democratizada toda a questão racial no Brasil. Estamos diante de um genocídio do povo negro confirmado por todos os dados, desde o “Mapa da Violência” [17] até a campanha “Reaja ou será morta, reaja ou será morto” [18].

O poder que seduz

Agora, quando alguém chega ao poder é muito difícil que o solte. O caso de Che [19] é maravilhoso, mas é a exceção que confirma a regra. O mais comum na esquerda é que tudo seja feito para obter ou para permanecer no poder, porque há uma ilusão criada, desde a revolução russa (quem sabe até antes), de que a chave para mudança é a sua conquista. Claro que esses governantes muitas vezes chegaram ao poder para não mudar nada, mas para estarem sentados confortavelmente nas poltronas. Mas esta já é uma questão ética.

IHU On-Line – Qual é o papel dos coletivos e dos movimentos sociais de hoje que atuam em países da América Latina e no mundo? Que tensões eles provocam nos modelos atuais de governança?

Raúl Zibechi – Creio que os movimentos sociais estão muito fracos, em grande parte, pela relação que tiveram com os governos progressistas. Mas estou convencido de que a energia criativa, a energia coletiva capaz de mudar o mundo, está no que eu chamo de “pessoas comuns organizadas em movimentos”. Se pensarmos no junho de 2013, no Brasil, mas também no dezembro de 2010, em Buenos Aires, quando houve a ocupação do parque Indoamericano por milhares de famílias sem-teto, na marcha em defesa do TIPNIS [Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Secure], na Bolívia, no recente levantamento indígena no Equador, e assim por diante, podemos concluir que os movimentos ainda estão lá: enfraquecidos, mas em atividade, mostrando os limites do progressismo.

Uma das grandes conquistas dos movimentos tem sido mostrar que o modelo extrativista (monoculturas, mineração a céu aberto, especulação imobiliária e megaconstruções de infraestrutura) é um modelo predatório do meio ambiente, que expulsa os mais pobres de seus territórios urbanos e rurais, que destrói o vínculo social, que nos torna mais dependentes dos preços das matérias-primas que são decididos nas bolsas de valores, como a de Chicago.

Além de tudo, é um modelo que ameaça a nossa independência como nações. Tudo isso foi mostrado pelos movimentos sociais: no Brasil, o Movimento dos Sem Terra – MST em relação ao agronegócio, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST e os Comitês da Copa em relação à especulação urbana. Sem os movimentos, o modelo não teria quem questionasse suas diretrizes ou as vozes seriam muito fracas.

IHU On-Line – Os atuais governos progressistas são capazes de interpretar o que dizem e demonstram os novos movimentos sociais sobre os limites do atual modelo de representatividade?

Raúl Zibechi – Não. Eles insistem na democracia parlamentar, porque não podem imaginar outra figura que não seja a da representação. Mas há algo mais sutil: a impressão de que a grande maioria dos quadros políticos do PT e da esquerda latino-americana perdeu contato com os movimentos, com os militantes críticos. Ou eles não os veem ou não os escutam, e muitos os temem, com medo de uma aproximação. Podemos imaginar um diálogo entre Zé Dirceu [20] e um militante do Movimento Passe Livre ou um dos ocupantes das escolas paulistas com 15 anos de idade?

IHU On-Line – Quais os limites dessa perspectiva de ajuste fiscal como estratégia para superar a crise econômica? Como o questionamento ao modelo extrativista pode iluminar e trazer outras perspectivas ao debate sobre superação de crise?

Raúl Zibechi – Utilizar mecanismos do sistema para superar a crise é um erro, porque aprofunda a lógica capitalista. O Brasil não vive uma crise econômica, mas uma crise política que se manifesta na economia. Como a escritora espanhola Almudena Grandes [21] disse, “o que chamamos de crise foi uma guerra entre potências econômicas contra os cidadãos que somos e que perdemos”.

Não se pode sair desta crise sem extenuar o capital financeiro, porque este capital é o que está segurando o modelo extrativista que não é um modelo produtivo, mas especulativo. Um dos grandes problemas do progressismo é que ele deixou de chamar as coisas pelo seu nome: fala-se de pós-neoliberalismo, mas o extrativismo nos prende ao modelo neoliberal, dominado pela especulação financeira.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Raúl Zibechi – Sim. Constato com grande tristeza a crise do pensamento crítico. Com certeza, como assinala Arturo Escobar [22], há um florescimento de pensamentos fora das academias e das catedrais da velha esquerda. Os intelectuais mais conhecidos, consagrados pelos partidos e universidades, ou seja, aqueles do sexo masculino, brancos, mais velhos, classificaram o poder do Estado, com a notável exceção de Chico de Oliveira [23].

Entretanto, na parte de baixo, aparece uma camada de homens e mulheres, índios, mestiços, negros, camponeses, trabalhadores, que estão levantando suas vozes, são pessoas intimamente ligadas às lutas de seus povos. Elas e eles são o relevo, porque quando uma geração é classificada, sempre aparecem vozes que antes estavam submersas, vozes que nem sempre escrevem livros, mas encarnam o pensamento coletivo que surge muitas vezes nos fornos, nas cozinhas e nos quilombos, e não costumam se expressar por meio de teorias, mas através de danças e celebrações nos espaços próprios daqueles que vêm de baixo.

Por João Vitor Santos | Tradução Henrique Dênis Lucas

Notas:

[1] Víktor Fédorovych Yanukóvytch (1950): um político ucraniano, eleito presidente da Ucrânia de 2010 e reeleito em 2012 até 22 de fevereiro de 2014, sendo deposto após 93 dias de intensos protestos populares contra sua aproximação com a Rússia, por rejeitar o acordo com a União Europeia, a corrupção em seu governo e as tentativas de mudar a constituição. Também é o líder do Partido das Regiões, um dos principais partidos políticos da Ucrânia, atualmente na oposição. (Nota da IHU On-Line).

[2] Vladimir Putin (1952): presidente da Rússia. Também é ex-agente do KGB no departamento exterior e chefe dos serviços secretos soviético e russo, KGB e FSB, respectivamente. Putin exerceu a presidência entre 2000 e 2008, além de ter sido primeiro-ministro em duas oportunidades, a primeira entre 1999 e 2000, e a segunda entre 2008 e 2012. (Nota da IHU On-Line)

[3] Lulismo: o termo cunhado pelo cientista político André Singer, que também foi porta-voz do ex-presidente Lula, de 2002 a 2007. Nascido durante a campanha de 2002, o lulismo representou o afastamento em relação a componentes importantes do programa de esquerda adotado pelo PT e o abandono das ideias de organização e mobilização. Busca um caminho de conciliação com amplos setores conservadores brasileiros. Sob o signo da contradição, o lulismo se constitui como um grande pacto social conservador, que combina a manutenção da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) com fortes políticas distributivistas sob o governo Lula (2002-2010). (Nota da IHU On-Line)

[4] André Vítor Singer (1958): cientista político, professor e jornalista brasileiro. Graduado em Ciências Sociais e em Jornalismo, ambos pela Universidade de São Paulo – USP. É mestre, doutor e livre docente em Ciência Política, também pela USP. Foi secretário de redação do jornal Folha de S. Paulo (1987-88) e Secretário de Imprensa do Palácio do Planalto (2005-2007) e porta-voz da Presidência da República no primeiro governo Lula (2003-2007). Filho do economista Paul Singer e de Evelyn Helene Ines Pape (falecida), é professor doutor do departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Suas áreas de interesse são comportamento eleitoral no Brasil e Teoria Política Moderna. (Nota da IHU On-Line)

[5] Movimento Passe Livre (MPL): movimento social brasileiro que defende a adoção da tarifa zero para transportes coletivos. Fundado em 2005 durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre-RS, o MPL ganhou repercussão nacional a partir da organização de vários protestos em junho de 2013. (Nota da IHU On-Line)

[6] Sérgio Fernando Moro (1972): juiz federal brasileiro que ganhou notoriedade nacional por comandar o julgamento dos crimes identificados na Operação Lava Jato. Formou-se em Direito pela Universidade Estadual de Maringá em 1995, tornando-se Juiz Federal em 1996. Também cursou o programa para instrução de advogados da Harvard Law School em 1998 e participou de programas de estudos sobre lavagem de dinheiro promovidos pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. É mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Além da Operação Lava Jato, também conduziu o caso Banestado. No caso do Escândalo do Mensalão, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber convocou o juiz Sergio Moro para auxiliá-la. Em 2014, Moro foi indicado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil para concorrer à vaga deixada por Joaquim Barbosa no STF, porém, em 2015, a vaga foi preenchida por Luiz Fachin. (Nota da IHU On-Line)

[7] Ana Esther Ceceña Martorella (1950 ): economista, PhD em Relações Econômicas Internacionais pela Universidade de Paris I-Sorbonne, coordena o Observatório Latino-Americano de Geopolítica, que se dedica a estudar, teorizar e mapear os processos contemporâneos de dominação e resistência. É professora em Estudos de Pós-graduação latino-americanos na Universidade Nacional Autônoma do México. Sua linha de trabalho centra-se no estudo dos recursos naturais, movimentos sociais, militarização e da hegemonia global. Foi diretora da revista Chiapas de 1994 a 2004. (Nota da IHU On-Line)

[8] Kátia Abreu [Kátia Regina de Abreu] (1962): empresária, pecuarista e política brasileira. Desde 1º de janeiro de 2015 é a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Está licenciada do mandato de senadora do PMDB pelo estado do Tocantins. (Nota da IHU On-Line)

[9] Karl Marx (Karl Heinrich Marx, 1818-1883): filósofo, cientista social, economista, historiador e revolucionário alemão, um dos pensadores que exerceram maior influência sobre o pensamento social e sobre os destinos da humanidade no século XX. Leia a edição número 41 dos Cadernos IHU ideias, de autoria de Leda Maria Paulani, que tem como título A (anti)filosofia de Karl Marx. Também sobre o autor, confira a edição número 278 da IHU On-Line, de 20-10-2008, intitulada A financeirização do mundo e sua crise. Uma leitura a partir de Marx. Leia, igualmente, a entrevista Marx: os homens não são o que pensam e desejam, mas o que fazem, concedida por Pedro de Alcântara Figueira à edição 327 da IHU On-Line, de 03-05-2010. A IHU On-Line preparou uma edição especial sobre desigualdade inspirada no livro de Thomas Piketty O Capital no Século XXI, que retoma o argumento central da obra de Marx O Capital. (Nota da IHU On-Line)

[10] Pier Paolo Pasolini (1922-1975): cineasta italiano, poeta e escritor. Em seus trabalhos, Pasolini demonstrou uma versatilidade cultural única e extraordinária, que serviu para transformá-lo numa figura controversa. Embora seu trabalho continue a gerar polêmica e controvérsia até hoje, enquanto Pasolini ainda era vivo, seus trabalhos foram tidos como obras de arte segundo muitos pensadores da Cultura italiana. Dirigiu os filmes da Trilogia da Vida: Il Decameron, I Raconti di Canterbury e Il fiore delle mille e una notte. (Nota da IHU On-Line)

[11] Movimento Zapatista: inspirou-se na luta de Emiliano Zapata contra o regime autocrático de Porfirio Díaz, que encadeou a Revolução Mexicana em 1910. Os zapatistas tiveram mais visibilidade para o grande público a partir de 1º de janeiro de 1994 onde se mostraram para além das montanhas de Chiapas com capuzes pretos e armas nas mãos dizendo Ya Basta! (Já Basta!) contra o NAFTA (acordo de livre comércio entre México, Estados Unidos e Canadá) que foi criado na mesma data. O movimento defende uma gestão democrática do território, a participação direta da população, a partilha da terra e da colheita. (Nota da IHU On-Line)

[12] Mapuche (na língua mapudungun, gente da terra): são um povo indígena da região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina. São conhecidos também como araucanos. (Nota da IHU On-Line)

[13] Lenin [Vladímir Ilyitch Lenin ou Lénine] (1870-1924): originariamente chamado de Vladímir Ilyitch Uliânov. Revolucionário russo, responsável em grande parte pela execução da Revolução Rusa de 1917, líder do Partido Comunista e primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética. Influenciou teoricamente os partidos comunistas de todo o mundo. Suas contribuições resultaram na criação de uma corrente teórica denominada leninismo. (Nota da IHU On-Line)

[14] David Harvey (1935): é um geógrafo marxista britânico, formado na Universidade de Cambridge. É professor da City University of New York e trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana. (Nota da IHU On-Line)

[15] Think tanks: são organizações ou instituições que atuam no campo dos grupos de interesse, produzindo e difundindo conhecimento sobre assuntos estratégicos, com vistas a influenciar transformações sociais, políticas, econômicas ou científicas, sobretudo em assuntos sobre os quais pessoas comuns não encontram facilmente base para análises de forma objetiva. Os think tanks podem ser independentes ou filiados a partidos políticos, governos ou corporações privadas. (Nota da IHU On-Line)

[16] Robert Strange McNamara (1916–2009): empresário e político norte-americano que serviu como o 8º Secretário de Defesa dos Estados Unidos de 1961 a 1968 durante as presidências de John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, período em que ele teve um importante papel no aumento do envolvimento norte-americano na Guerra do Vietnã. Depois de sair do cargo ele serviu como presidente do Banco Mundial até 1981. McNamara foi o responsável por instituir a análise de sistemas na política pública, que se desenvolveu no que hoje é conhecido como análise política. Ele consolidou as funções de inteligência e logística do Departamento de Defesa em duas agências: a de Inteligência de Defesa e a de Logística de Defesa. (Nota da IHU On-Line)

[17] O sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU publica análises a partir dos dados anuais do Mapa da Violência. Sobre a edição de 2015, confira “Agressões domésticas alavancam crescimento da violência no Brasil”. Entrevista especial com Julio Jacobo Waiselfisz, publicada nas Notícias do Dia, de 16-11-2015, do sítio do IHU. (Nota da IHU On-Line)

[18] Reaja ou será morta, reaja ou será morto: é uma articulação de movimentos e comunidades de negros e negras da capital e interior do estado da Bahia, articulada nacionalmente e com organizações que lutam contra a brutalidade policial, pela causa antiprisional e pela reparação aos familiares de vítimas do Estado (execuções sumárias e extrajudiciais) e dos esquadrões da morte, milícias e grupos de extermínio. (Nota da IHU On-Line)

[19] Che Guevara (Ernesto Guevara de la Serna ou El Che, 1928-1967): um dos mais famosos revolucionários comunistas da história. Foi tema da edição 239 da IHU On-Line, de 08-10-2007. Na referência, o entrevistado reporta ao fato de que, depois do êxito da Revolução Cubana, Che chegou a integrar o governo Fidel, mas por pouco tempo. Deixou o governo cubano para seguir na guerrilha. (Nota da IHU On-Line)

[20] José Dirceu: é um político e advogado brasileiro, com base política em São Paulo. Ministro da Casa Civil de 2003 a 2005, Dirceu teve seu mandato de deputado federal cassado no dia 1º de dezembro de 2005 e, portanto, é inelegível até 2015, a pedido da CPI do Mensalão. (Nota da IHU On-Line)

[21] Almudena Grandes Hernández (1960): escritora espanhola. É colunista regular do jornal El País e em programas da emissora Cadena SER. Sempre defendeu suas posições políticas à esquerda, depois de ter mostrado o seu apoio público a Izquierda Unida. Em Abril de 2007, foi signatária do Manifesto “para a coexistência e contra a tensão” em que um grupo de intelectuais considerava causa inaceitável fazer do terrorismo um “eixo de oposição”. (Nota da IHU On-Line)

[22] Arturo Escobar (1952): antropólogo colombiano, professor na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, cujas áreas de interesse são a ecologia política, a antropologia do desenvolvimento, movimentos sociais, ciência e tecnologia, bem como questões sobre a Colômbia. (Nota da IHU On-Line)

[23] Francisco de Oliveira: sociólogo brasileiro, também conhecido como Chico de Oliveira, é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Formou-se em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco. Professor aposentado de Sociologia do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), foi um dos fundadores do Cebrap. Coordenador-executivo do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania – Cenedic da USP, deixou o Partido dos Trabalhadores e recentemente filiou-se ao PSoL (Partido Socialismo e Liberdade). Em 2003, ano em que deixou o PT, Francisco de Oliveira disse que Lula nunca foi de esquerda. Em 25 de agosto de 2006, foi-lhe concedido o título de doutor honoris causa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, por iniciativa do Instituto de Economia da UFRJ. Em 28 de agosto de 2008, o de professor emérito pela FFLCH-USP. Em 22 de novembro de 2010, o de doutor honoris causa na Universidade Federal da Paraíba. Suas últimas contribuições com a IHU On-Line são as entrevistas especiais intituladas “A democracia brasileira é chata. Não entusiasma ninguém” e “A crise não é mortal. Presidente é fraca e dependente de Lula“, publicadas em 20 de agosto de 2015 e 27 de março de 2015, respectivamente. (Nota da IHU On-Line)

LAPIERRE: Cosmogonie indigène et pensée occidentale : un monde peut-il contenir plusieurs mondes ?

dimanche, mars 20th, 2016

Texte e audios copiés-collés du site LA REVUE DES RESSOURCES – éditions papier et revue électronique culturelle pluridisciplinaire (littérature, arts & idées)

Cosmogonie indigène et pensée occidentale : un monde peut-il contenir plusieurs mondes ?  

, par Georges Lapierre

Les langues mayas, intersubjectives, appréhendent une vision du monde radicalement différente de la nôtre, étrangère aux séparations. N’est-ce pas dans ce rapport au monde dénué de hiérarchie que réside l’irréductibilité des luttes indigènes et leur résistance farouche aux systèmes de domination et d’exploitation ?

Le Mexique, pays des volcans et pays de la Révolution, celle de 1910, d’Emiliano Zapata et de Pancho Villa, a toujours exercé une certaine fascination du côté de la vieille Europe : mais qui étaient ces révolutionnaires qui ont méprisé le pouvoir et dédaigné les charmes de la capitale pour retourner dans leurs villages des montagnes du Morelos, du Guerrero, de Michoacán ou de l’Oaxaca ? Des Mexicains, c’est-à-dire des gens comme nous ou bien des Indiens, c’est-à-dire des gens un peu différents de nous ?

J’aimerais, avant de parler plus précisément de la langue tojolabal, langue d’origine maya, analysée par le linguiste Carlos Lenkersdorf dans son livre Les Hommes véritables [1], il me paraît utile de nous m’interroger sur la place et le rôle du monde indien au Mexique, et sans doute aussi dans notre imaginaire : Qu’apporte-t-il à notre réflexion ? Nous est-il totalement étranger ?

Si le Mexique est un pays mythique, son histoire l’est aussi. Il y a le mythe de la guerre de l’Indépendance (1810), avec les curés Miguel Hidalgo et José Maria Morelos, dans lequel les Indiens Perupecha du Michoacán qui constituaient la chair à canon des armées de libération ont curieusement disparu des livres d’Histoire pour devenir des pauvres, des classes pauvres ou encore simplement des Mexicains. Pourtant c’étaient bien des Indiens qui se trouvaient derrière l’étendard de la Vierge de Guadalupe, figure de la Terre Mère, et qui se soulevaient contre l’oppresseur. Un siècle plus tard, en 1910, le mythe de la Révolution mexicaine avec Zapata sur son cheval blanc – , là encore on ne parle pas trop des Indiens ; dans son livre, John Womack fait tout juste allusion à l’origine indienne de Zapata (pas de ses lieutenants, si mes souvenirs sont bons), mais les Indiens Nahua, Otomi ou Perupecha qui défendaient leurs territoires et leurs terres communales mis aux enchères par Porfirio Diaz se sont bizarrement évaporés, et à la place nous trouvons des peones ou bien des Révolutionnaires avec R majuscule. [2]

Avec l’insurrection zapatiste dans l’État du Chiapas, voici donc le monde indien qui apparaît soudain sur le devant de la scène, alors que nous l’avions depuis longtemps oublié, ignoré ou rejeté. Il serait peut-être temps de le prendre en considération. Donc, quand je suis arrivé au Chiapas en 1995 pour rencontrer les zapatistes, ou les nouveaux zapatistes, j’ai été surpris de rencontrer des Indiens, Tzeltal, Tzotzil, Tojolabal… Les Indiens qui avaient disparu des mythes de la naissance de l’État mexicain étaient bien là dans la réalité. Qu’est-ce que cela signifie être Indiens ? Si nous les ignorons, s’il y a autour d’eux comme une conjuration du silence, si tout est fait pour que nous les ignorions, l’État mexicain, lui, ne les ignore pas, ils restent potentiellement les ennemis, ceux que l’on n’a pas encore tout à fait vaincus et que l’on s’efforce de soumettre et de contrôler, d’intégrer, mais qui peuvent toujours se révolter, l’Indien est ce qui reste à travers la gorge de l’État mexicain, le caillou dans le soulier mexicain. Avec la guerre d’Indépendance, la révolution zapatiste, les Cristeros, la révolte des Indiens maya du Yucatan, la révolte des Indiens Yaqui du Sonora, pour ne parler que des guerres les plus longues, l’État mexicain a vite compris le danger que représentaient les peuples originaires. Sa politique a consisté à s’appuyer sur le monde urbanisé et métis, en particulier les ouvriers, auxquels il a accordé quelques avantages, contre le monde rural et indien.

Découvrir l’existence des peuples originaires, qui ont su résister pendant plus de 500 ans à la domination occidentale, et leur importance dans la lutte menée contre l’activité capitaliste et les forces de décomposition sociale, nous amène à faire notre petite révolution copernicienne. La critique du monde capitaliste ne viendrait pas de l’intérieur du monde dominant, comme le voulait Marx – et avec Marx beaucoup de gens qui ne sont pas nécessairement marxistes mais qui sont attachés à leurs prérogatives révolutionnaires –, mais viendrait de ce qui lui est périphérique. L’opposition au capitalisme serait le fait des peuples qui se trouvent sur le front de son avancée, comme obstacle à sa complète domination. Nous, qui nous nous pensions au centre du monde et à l’avant-garde du changement et de la Révolution, nous voilà brutalement marginalisés, et ceux que nous avions marginalisés et dédaignés [3] se retrouvent à la pointe du combat. Beaucoup d’entre nous ne se laissent pas faire et s’accrochent bec et ongles à leur position qu’ils jugent privilégiée. Pourtant dès le début du siècle (je veux parler du dix-neuvième) les anarchistes mexicains comme Ricardo Florès Magon, qui a rendu hommage à la révolte victorieuse des Yaqui ou bien européens comme Traven (se reporter par exemple à son récit, La révolte des pendus) se sont sentis solidaires des révoltes indiennes. Ce n’est pas parce que nous avons perdu notre position centrale que le divorce doit être consommé ; cela peut représenter, tout au contraire, l’occasion d’un rapprochement fondé sur la reconnaissance de valeurs partagées.

Sur quoi reposent les sociétés indigènes et qu’est-ce qui leur a permis tant bien que mal de résister jusqu’à présent à un désastre social annoncé ? Trois facteurs me semblent déterminants : la communauté, l’autonomie et j’ajouterai la radicalité théorique : l’activité capitaliste est clairement perçue comme une activité de destruction et d’extermination, « une guerre menée contre l’humanité », nous dit le sous-commandant Marcos. D’où lui vient une telle clairvoyance sinon du monde indien ?

L’autonomie, c’est à la fois une réalité et une revendication. La société indienne est autonome sur plusieurs plans : sur le plan politique de la gestion, elle a la capacité de prendre des initiatives dans tous les domaines qui la concernent, santé, transport, école… Les zapatistes offrent un exemple remarquable de cette autonomie mais nous la retrouvons, un peu amoindrie, dans la plupart des communautés indiennes. Sur le plan alimentaire aussi – « la terre ne se vend pas », « la terre est notre dignité » – , cette autonomie de subsistance qui veut que le paysan indien ne dépende de personne pour sa simple survie est fortement attaquée par l’État : concurrence sur les marchés intérieurs des produits subventionnés du grand commerce, incitation à la monoculture en vue de l’exportation au détriment des cultures traditionnelles de subsistance (café, coton, fruits exotiques…). L’État se présente de fait comme l’ennemi déclaré de tous les droits collectifs et il refuse obstinément de reconnaître les peuples indiens comme sujets de droit. Il avait pourtant signé en février 1996 ce que l’on appelle les Accords de San Andrés qu’il avait négociés avec les zapatistes et les délégations indiennes à la suite du soulèvement zapatiste de janvier 1994. Ces Accords, qui reconnaissaient l’autonomie des peuples indiens dans le cadre limité des conventions internationales signées par ce même État et qui avaient le soutien de l’opinion publique, ont été rejetés par l’ensemble de la classe politique en 2001.

La communauté est une réalité des sociétés indiennes, ce n’est pas une réalité donnée mais une réalité qui se construit, dont on se rapproche ou dont on s’éloigne. Les théoriciens indiens comme Floriberto Diaz, qui est Mixe, ou Jaime Luna, Zapotèque, emploient le concept de communalité ; la communalité est le moteur de la société indienne, l’idée qui l’anime – nous pourrions dire aussi que la société indienne se présente comme la réalisation plus ou moins parfaite de cette pensée qu’est la communalité. Elle repose sur quelques concepts clés, comme celui de territoire, un espace vital propre à la communauté, celui de la terre communale opposé au concept de propriété privée, celui du travail commun en vue de l’intérêt général, le tequio, en vue de l’intérêt général, sur la souveraineté de l’assemblée communautaire et le système des charges publiques, les fêtes, le droit coutumier… et sur les langues originelles des communautés dont nous allons parler maintenant.

Georges Lapierre

§

AUDIOS:

Nous vous proposons ci-dessous quatre extraits des soirées consacrées aux luttes sociales au Mexique les 18, 20 et 21 mars 2009 à Montpellier :

MP3 - 1.9 Mo
Le rôle des langues originaires dans les luttes…
… des communautés indigènes du Mexique, par exemple Oaxaca. Intervention de Georges Lapierre
MP3 - 1.4 Mo
L’altérité et la langue dite « intersubjective »
Intervention de Georges Lapierre (suite)
MP3 - 2.4 Mo
Les femmes et la langue
Quelques caractéristiques de la « communalité » indienne – Interventions d’Adriana Luna et Bernard Pasobrola
MP3 - 2.6 Mo
Aliénation, acculturation et autonomie
Rapports entre la pensée indienne et la pensée occidentale – Interventions de Georges Lapierre, Lucille et Joël de la librairie Scrupule, Géo et Maria

Notes

[1] Lenkersdorf (Carlos) Les hommes véritables, Paroles et témoignages des Tojolabales, Indiens du Chiapas, traduit par Joani Hocquenghem, Ludd, Paris 1998.
Titre original :
Los hombres verdaderos. Voces y testimonios tojolabales, México, 1996.

[2] Ne parlons pas des Cristeros (1922) : ils constituent l’anti-mythe, pourrions-nous dire, tous leur sont tombés dessus — je veux parler des intellectuels, des révolutionnaires de salon — en les traitant de paysans attardés et dévots, attachés à leurs curés, pourtant leurs armées composées de paysans huicholes, tarasques, otomis, nahuas, zapotèques, tlapanèques, mixtèques étaient partout victorieuses et l’État a pu être sauvé grâce à la trahison des prêtres.

[3] Pourtant, dès le début du siècle (je veux parler du XXe), les anarchistes mexicains comme Ricardo Florès Magon, qui a rendu hommage à la révolte victorieuse des Yaqui, ou bien européens comme Traven (se reporter par exemple à son récit, La révolte des pendus), se sont sentis solidaires des révoltes indiennes.

AGAMBEN: Qu’est-ce qu’un dispositif?

dimanche, mars 13th, 2016

[Il y a des notes de lecture en bas de la page se rapportant aux extraits soulignés dans le texte par moi]

Qu’est-ce qu’un dispositif ? de Giorgio Agamben

éd.Rivages poche, 2007.

Comment combattre la machine gouvernementale capitaliste qui mène le monde vers la catastrophe ?
Comment redonner à notre époque le sens de la politique alors même qu’elle s’est laissée vaincre par la seule économie, c’est-à-dire « une pure activité de gouvernement qui ne poursuit rien d’autre que sa propre reproduction » ?
A l’heure où chaque citoyen ordinaire, n’ayant jamais été aussi docile et soumis, est en même temps pour les gouvernants le plus grand terroriste potentiel, il est de la plus grande urgence d’agir sur les dispositifs modernes du capitalisme et du pouvoir.
Agir sur ces dispositifs, c’est d’abord savoir les identifier et les définir. D’où la question que soulève Giorgio Agamben : qu’est-ce qu’un dispositif ? Retraçant la généalogie théologique de ce terme, remontant de son sens foucaldien à ses origines chrétiennes (le terme grec oïkonomia), en passant par le terme de positivité présent dans la philosophie du jeune Hegel et le Gestell heideggerien, Agamben propose la définition élargie suivante : « j’appelle dispositif tout ce qui a, d’une manière ou d’une autre, la capacité de capturer, d’orienter, de déterminer, d’intercepter, de modeler, de contrôler et d’assurer les gestes, les conduites, les opinions et les discours des êtres
vivants ».
Sur la base de cette définition, force est ensuite de constater que les dispositifs modernes, à la différence des dispositifs traditionnels, ont par leur prolifération suscité une dissémination, un éclatement de la subjectivité. Ils ont transformé le citoyen en sujet spectral. La démultiplication contemporaine des dispositifs a développé à l’infini et disséminé la subjectivité (l’utilisateur de téléphone portable, le passionné de tango, l’auteur de récits, l’internaute…). Ainsi, parvenu à cette phase de développement extrême du capitalisme qu’est notre époque, le grand danger présent des dispositifs est la dépossession de soi-même, la disparition de la liberté elle-même dont ils se sont emparés de manière douce et sournoise.
Le problème devient alors : « De quelle manière pouvons-nous donc nous opposer à cette situation, quelle stratégie devons-nous adopter dans notre corps à corps quotidien avec ces dispositifs ? » Face au mirage de la jouissance confortable que nous promettaient et nous promettent encore les dispositifs modernes, dispositifs qui ne font en réalité que nous séparer tous les jours un peu plus de nous-mêmes, la tâche de reprise en mains s’impose. Rejetant à la fois la solution de la destruction et celle, jugée trop naïve, d’un simple meilleur usage, Agamben préconise la profanation.
Mais qu’est-ce que profaner ? C’est précisément agir sur les dispositifs afin de les rendre à l’usage libre de l’homme. « La profanation est le contre-dispositif qui restitue à l’usage commun ce que le sacrifice avait séparé et divisé. » Aliénés par les dispositifs, il nous faut nous les réapproprier et combattre ainsi les processus de désubjectivation qui les accompagnent. C’est là la condition sine qua non de la possibilité d’une vie libre dans un monde qui ne serait pas devenu irrémédiablement inhumain. Profaner donc pour combattre la domination des dispositifs et le règne de la religion capitaliste. Profaner pour redonner tout son sens à la politique, cet effort d’hommes libres pour
vivre ensemble. Profaner pour libérer la pensée.
PS: Je n’ai pas trouvé l’auteur de cette présentation sur le livre.
AGAMBEN_Dispositif

Notes (persos) pour soulever quelques questions préalables à la lecture du livre:

« il est de la plus grande urgence d’agir sur les dispositifs modernes du capitalisme et du pouvoir » –
Je n’aime pas cet appel aux urgences une fois que ce sentiment s’est déjà emparé de nos esprits par les manipulations des affectes, surtout par le biais de l’instrumentalisation médiaco-politique des attentas terroristes déroulés à Paris.

Une autre pondération c’est cet impératif sur l’action cibler les dispositifs du capitalisme en soi. Je me demande si c’est possible d’agir SUR ces dispositifs. Ou peut-être agir SOUS les dispositifs, malgré eux… en sens envers, à contre-courrant, vers d’autres directions, par d’autres moyens… Puisque ma tendence c’est plutôt s’en débarasser [des dispositifs], de les rendre absolètes en cherchant créer des voies et moyens alternatifs, faire de notre precarité matérielle une contrainte créative pour fonder d’autres bases, éthiques, où il n’y aura pas de place pour des dispositifs de ce genre prendre le dessus. Enfin, il faut lire puisque le concepte de dispositif chez Agamben semble toucher un espectre large…

LASCANO: La tormenta, capital y crisis económica

dimanche, mars 13th, 2016

Sesión 2: La tormenta, capital y crisis económica.

Sergio Rodriguez Lascano

[Semillero] CU, México DF

En el seminario réplica pensamiento crítico frente a la hidra capitalista, contamos con la participación de Sergio Rodriguez Lascano, quien dió una charla sobre algunas características del capitalismo en el que hoy vivimos.

El compañero sostiene que hace aproximadamente treinta años el mundo cambió, desde el mundo del trabajo, la cultura, las geografías de los idiomas, las relaciones sociales. Y pudo ilustrar algunos puntos relevantes que dan cuenta de ese cambio, por ejemplo la supuesta superación de la frontera trabajo manual-administración, el reordenamiento del capital mundial, la re-aparicion de viejas formas de precarización del trabajo, la desaparición del salario, el reordenamiento de las jerarquías empresariales, entre otros.

¿En que devienen estas transformaciones del capital? En la sesion de hoy tuvimos oportunidad de compartir esta reflexión desde una perspectiva económico-política de abajo y a la izquierda. Hay una contradicción entre la tasa de ganancia y la tasa de productividad, mientras las ganancias siguen incrementando, la productividad disminuye. ¿Cómo puede haber más ganacias porcentuales si hay menor productividad? La respuesta de Rodriguez Lascano apunta que el dinero circulante no tiene respaldo productivo, si no que, es efecto de la operación de las grandes bancas, tanto así que las deudas nacionales superan casi tres veces el producto mundial bruto. Una deuda que la humanidad no puede pagar a los bancos; sin embargo los de abajo engrosamos las riquezas de los dueños del dinero pagando los intereses de esas deudas.

Ahí la tormenta avisada desde el pensamiento crítico que hoy compartimos, el proceso de acumulación que hoy hace el capital bancario es insostenible.

Sin desaliento cerramos la sesión, pues las reflexiones sobre el escenario capitalista nos llevaron al comunicado “¿Y en las comunidades zapatistas?”. Nos planteamos se pueden superar las contradicciones del sistema, que se puede derrotar al capitalismo, que hace falta todavía mucho camino.

Los esperamos para dar un primer cierre a estas reflexiones, el día miércoles dos de marzo a las 4 pm. Sesión para recuperar la discusión del bloque en el Foro José Revueltas, Auditorio Che Guevara, UNAM.

Tejiendo Organización Revolucionaria